Escrever para entender
Alguns dias atrás, enquanto caçava artigos online para matar o tempo, acabei chegando num mais-que-excelente artigo de Viktor Lofgren intitulado Feynman’s Garden. No texto, Viktor comenta sobre o algoritmo de Feynman para resolver um problema. O algoritmo consiste em três passos:
- Anote o problema que você deseja resolver.
- Pense na solução.
- Anote a solução.
Acho tudo relacionado a Feynman incrível. (Sobretudo sua passagem pelo Brasil, quando criticou o ensino de Física diante de uma plateia de professores com suspensórios e, em seguida, saiu para tocar frigideira numa escola de samba. É sério). Esse algoritmo, embora simples e bom demais pra ser verdade, não foi diferente. Mas não dei a atenção devida. Como disse, eu estava somente matando o tempo. Ainda assim, a ideia ficou no meu inconsciente, pois acabei colocando-a em prática acidentalmente.
Duas semanas depois, estava quebrando a cabeça com um problema no trabalho. A equipe que estava desenvolvendo um sistema de acesso por reconhecimento facial descobriu que rostos gerados por IA no site This Person Does Not Exist, quando impressos num papel, eram reconhecidas como pessoas cadastradas no sistema e o acesso então era liberado. Se tratava de um bug numa parte do projeto em que eu estou apenas superficialmente familiarizado. Ainda assim, jogaram essa bomba no meu colo e cobraram por uma solução até o final da sprint.
Eu tinha uma hipótese sobre o problema e um rascunho de uma possível solução com a qual eu não estava inteiramente satisfeito. De qualquer modo, 24 horas antes do prazo para envio da minha proposta, abri o arquivo de texto onde guardo todas as informação sobre o projeto e acrescentei um subtítulo chamado “Fatos”. Escrevi ininterruptamente uma série de bullet points com tudo que eu sabia a respeito do problema. Eu não tinha qualquer objetivo senão recapitular tudo que sabia sobre aquilo, mesmo que fossem puras trivialidades sobre visão computacional e cálculo de similaridade entre vetores.
Depois de escrever umas quinze obviedades, deu-me um estalo. Foi como sentir que centenas de peças de um quebra-cabeças se deslizavam ao mesmo tempo dentro de mim para formar uma figura completa. Baita sensação gostosa, viu. Mas o melhor não foi a sensação de vislumbre. Ao dar corpo aos meus pensamentos e listá-los diante de mim numa tela de computador, percebi que havia entendido o problema completamente às avessas. E eu encontrei a solução.
Não posso realmente dar detalhes sobre o projeto ou do que se tratava o problema, mas isso não importa. O que eu quero é convencer você de que existe uma certa magia no ato de escrever. Não se trata apenas de escrever para se lembrar, mas escrever para pensar. Podemos até nos convencer de que compreendemos determinada ideia, mas como provar que realmente a compreendemos se nunca a colocamos em palavras? Feynman estava certo. Na escrita é onde de fato ocorre o raciocínio.
Minha teoria
Por que escrever nos ajuda a resolver problemas? Em retrospectiva, acredito que nem toda forma de escrita pode ser útil para se entender melhor uma ideia. Não acho, por exemplo, que ter escrito uma poesia sobre visão computacional me teria sido mais útil que uma lista de fatos para me conduzir à solução definitiva do meu problema. Ter escrito com minhas próprias palavras o que eu achava que sabia sobre determinado assunto – do fato mais bobo até a conjectura mais complexa – foi crucial nessa empreitada.
Quando nos preparamos para uma prova, naturalmente nos colocamos a revisar o conteúdo do material de estudo na esperança de toparmos com algum trecho que nos faça dizer “epa, não tava lembrando disso”. Porém, com essa leitura passiva acabamos nos entediando e, sabendo como nossos cérebros são resistentes a admitir quando não sabemos de algo, é bem provável que deixemos passar algum detalhe. No entanto, escrever o que você sabe antes da prova, nas suas próprias palavras e o mais precisamente possível, é maneira mais sincera de identificar lacunas de conhecimento. Da mesma forma, se estamos tentando resolver um problema, descrevê-lo de forma detalhada já é metade da solução, como disse Viktor em seu post. Muitas vezes achamos que sabemos algo, mas ficamos com uma certa “preguiça mental” de averiguar se esse é o caso.
Karl Popper, autor do princípio da falseabilidade, propõe que para se provar uma teoria não se deve fazer experimentos que confirmem que ela está correta; o que devemos é criar experimentos que tentem desbancá-la a todo custo. Se eu teorizo que sei determinado assunto, qual a melhor forma de colocar essa tese à prova senão escrever o que sei sobre aquele assunto e avaliar depois se o que escrevi faz sentido ou se faltou alguma coisa?
Digitar vs. escrever à mão
Fiquei curioso se descrever um problema no papel ao invés de digitá-lo seria ainda melhor. O primeiro artigo que encontrei é um estudo norueguês publicado recentemente, em janeiro de 2024. Segundo os autores, quando escrevemos algo à mão, inúmeras regiões do cérebro são engajadas para realizar aquela ação. O sistema motor, visual e o córtex pré-frontal precisam estar em sincronia para você pegar uma caneta, pressioná-la a força adequada, mover uma diversidade de músculos e, finalmente, averiguar se os riscos que você fez no papel são de fato a letra que você queria escrever. O mesmo não acontece quando digitamos no teclado.
Se eu entendi corretamente, o mesmo estudo defende que neurônios são “recondicionados” para exercerem funções adicionais quando disparados em diferentes contextos — uma dessas funções seria o aprendizado. Sendo assim, quanto maior o número de neurônios sincronizados numa determinada ação, maior o número de conexões e, possivelmente, mais elevada a eficiência do aprendizado.
Além disso, através de eletroencefalogramas, os autores desse estudo observaram uma atividade cerebral significativamente maior nas bandas de frequência alfa e teta nos indivíduos aos quais foram solicitados para escrever algo à mão. Essas frequências são normalmente associadas ao aprendizado e à memorização.
No entanto, o estudo não fornece números sobre quão melhor é a escrita à mão em relação à digitação na prática. Quantos problemas a mais eu seria capaz de resolver se usasse papel e caneta? Os benefícios seriam grandes o suficientes para eu dispensar a conveniência de digitar mais rápido e arquivar informações em arquivos de texto, os quais seriam bem mais fáceis de encontrar depois?
Conclusão
Estou determinado a praticar essa estratégia mais vezes. Quando eu estiver empacado por tempo demais num problema, tentarei transformá-lo em palavras. Dependendo do assunto, até escreverei um artigo no blog sobre ele. Acho expor suas ideias em público envolve um cuidado extra que normalmente não temos quando rascunhamos nossos bloquinhos de anotações.
Provavelmente continuarei usando arquivos de texto ao invés de papel. Buscar e recuperar informações rapidamente, para mim, é inegociável. Mas talvez comece a esboçar no papel versões de rascunho e transferir depois para o computador.