Nébula Rasa

Saudosismo digital

Eu acho que estou ficando velho. Hoje em dia eu vejo alguns pirralhos de 15 anos se gabando por terem instalado o MSN Plus, achando que fizeram miséria com a sua máquina, enquanto dão Alt+Tab na partida online de Halo e vão contar o feito. “AEW VEI AGORA OS NICKS DO MEU MSN TAUM COLORIDOS LOLLLL”. Algumas garotas acrescentam um gif animado cheio de glitter em seus blogs e acessam o Orkut para ver se o gatinho da sala delas rsrs deixou scrap. E todos são felizes, tendo a certeza de que a informática se resume a isso.

Eu tenho 23 anos 26 anos e nunca suspeitaria, há 10 13 anos atrás, que a tecnologia avançaria a esse ponto. Algumas centenas de anos foram reduzidas a uma década e eu nem sequer notei. “Ah, há 10 anos atrás não deveria ser tão diferente”, diz uma amiga minha. Segue então o meu relato no mundo digital e, como em um livro de história, entenda os sacrifícios que você deixou de passar. Perceba também quão geek as pessoas eram.

ALTA IDADE MÉDIA (1992–1996)

Marco do início: lançamento do Windows 3.0 e surgimento do processador 386.

Usei o MS-DOS, do 5.0 ao 6.2

O Windows, naqueles tempos, não passava de uma interface gráfica que servia tanto para comer memória quanto processamento. Bom, também servia para jogar Paciência e fazer desenhos em 16 cores no Paintbrush. De qualquer forma, existia Truco para DOS (bem mais divertido) e um programinha para desenhar que não aceitava mouse e, por isso, tornava a arte digital algo muito mais tenebroso e emocionante.

Listar os diretórios no MS-DOS e olhar para a tela com um olhar analítico de cientista, enquanto linhas e linhas de nomes corriam pela tela, era uma das maneiras de fazer com que sua mãe te achasse um filho ocupado e sagaz. Usar o MS-DOS como sistema operacional, o único alcance da molecada, exigia conhecimento profundo de linhas de comando. No mínimo você deveria saber navegar entre diretórios e listá-los. Se quisesse jogar alguma coisa, teria que saber como ler o conteúdo de arquivos (via type ou edit), pois muitos jogos pediam que você escrevesse a primeira palavra de um determinado parágrafo de uma determinada página do manual, só para ter certeza que você não estava usando uma cópia pirata. Bobos.

Personalizei meu prompt

Imagine o MS-DOS. Agora imagine-o com skins. Ho, ho!

Decorei os comandos dos programas para DOS de compactação, o PkZIP e ARJ

Era praxe, qualquer nerd que prestasse deveria saber no mínimo os comandos para descompactar e compactar joguinhos. A pirataria, naquela época, se resumia a compactar um jogo, quebrando o arquivo em vários disquetes e distribuindo mão-a-mão. Wolfenstein 3D ocupava 2 disquetes, enquanto Wing Commander IV ocupava quase 10.

Tive uma placa de vídeo S3 ISA de 1MB. Suportava resolução de até 1024×768 e 256 cores

Para você conceber melhor quão arcaico era esta placa de vídeo, apesar de já ter sido tecnologia de ponta, façamos uma comparação com um computador mediano de hoje em dia.

Sabia o que era CGA, VGA, EGA, MCGA e SVGA, bem como VESA

Você teria que saber quais as propriedades da sua placa de vídeo, sem opção. CGA era configuração mínima de vídeo possível — qualquer jogo em CGA era uma manifestação sublime de pixels rosas, verdes, brancos e pretos profissionalmente dispostos em uma tela de 320×200.

A maioria dos jogos, antigamente, pedia para você escolher a configuração do seu computador antes de entrar, talvez por preguiça inata dos pioneiros da programação ou porque pensavam que só cientistas de computação teriam competência de abrir um programa no DOS. Rá! Não contavam com a astúcia dos pivetes brasileiros.

Aprendi a programar em BASIC

Aquela telinha azul com letras cinzas do QBasic 1.0, programa que vinha juntamente com o sistema operacional desde o DOS 5.0, me deixava curioso frente seu potencial. Eu aprendi a linguagem somente para fazer um cheat no jogo nibble.bas, carinhosamente conhecido pela velha guarda como jogo das cobrinhas.

Não é algo que me orgulho muito. Talvez só um pouco, pois ter contato com o tio-avô bastardo das linguagens de programação serviu como ponte até outras linguagens mais elaboradas, como Clipper e Pascal, tão úteis hoje em dia quanto trebuchets na Guerra do Iraque.

Tive aulas de LOGO na escola aos sábados

Logo é uma linguagem de programação interpretada, voltada principalmente para crianças e aprendizes em informática. Logo implementa, em certos aspectos, a filosofia construcionista segundo Seymour Papert, matemático, que trabalhou com Piaget, daí a idéia da filosofia construtivista e toda a baboseira.

O ambiente Logo tradicional envolve uma tartaruga gráfica representada por um triângulo verde, que é um robô pronto para responder aos comandos do usuário. Por exemplo, tal comando…

parafrente 350
paradireita 90
parafrente 350
paradireita 90
parafrente 350
paradireita 90
parafrente 350

… desenha um quadrado na tela. Êeeee! Eu perdia Duck Tales no SBT de manhã, nos sábados, para aprender isso.

Usava o Double-Space para transformar meu HD de 40MB em um de 80MB

Através de compactação e acordo com o capeta, era possível dobrar o espaço útil do seu disco rígido através de uma ferramenta que vinha juntamente com o MS-DOS. Nesta época, abrir mão de metade da velocidade do seu processador para ter o dobro de espaço ainda era vantagem para alguns. E hoje tenho um disco SD do tamanho de uma amêndoa que armazena o triplo disso. Quem entende essas modernices?

Usei o CPAV, um programa para DOS que detectava e removia 100 diferentes tipos de vírus

Atualmente, é estimado que haja 200.000 tipos de ameaças virtuais. Dentre uma seleção de somente 100 delas, fui premiado com o Hundred Years, um vírus que veio junto com o Tetris e desmantelou meu disco rígido. Naquela época, eu usava anti-vírus da McAfee que detectava mais de 250 vírus e não conseguiu encontrá-lo, quiçá removê-lo. A inaptidão dessa empresa é de longa data, afinal.

Usei o Windows 3.0

Era mágico. Após acostumar sua vista com uma tela preta e letras claras do prompt do MS-DOS, estivesse você no diretório c:JOGOS ou a:, bastaria digitar “win” e um mundo colorido e cremoso surgia diante de seus olhos como uma pintura divina.

Você adivinharia que um Windows, certa vez, já teve 10MB de instalação? E só alguns megas a mais depois de instalado. Bateu-me até um aperto no coração agora. Alguns anos depois veio o Windows 3.1, chutando o balde em matéria de design e remoldando por completo a interface gráfica do velho 3.0.

A versão seguinte, Windows 3.11, vinha com algumas extensões a mais como suporte a rede. Ideal para quem tinha mais de um computador em casa, mas isso era só para a elite.

Instalei um driver safado para Windows que tornava possível ouvir .wav através do PC Speaker

Você sabe o que era ter um computador sem som de gente? Era como baforar contra a vitrine de vidro de uma loja de chocolates da Copenhagen, sabendo que aquele chocolate de rico nunca chegaria até suas mãos em um futuro próximo. Alguém muito bondoso, contudo, inventou uma solução que permitia ouvir arquivos em wave, sem placa e caixinhas de som. Era tudo nesse falantezinho do gabinete que faz “bip!”.

Digitei trabalho no Word 5.0 para DOS

Já joguei Tetris original, Flight Simulator 4, Civilization I, Wolfenstein 3D e Sim City I

Também tinha guardado o “Alone in the Dark I” em alguns disquetes de 5 1/4. Porém, apesar dos gráficos desse jogo não passarem de polígonos coloridos de 12 lados que se mexem, eu tinha medo e acabava não jogando.

Fiz meu próprio autoexec.bat e config.sys para poder rodar Sim City 2000

Muitas vezes você tinha que tunar no punho o seu sistema de modo que ele liberasse memória suficiente para rodar joguinhos mais pesados. Basicamente, é como se o computador se transformasse em um console de video-game de um jogo só. Aí você garimpava arquivos de sistema necessários, fazia uma configuração estratégica delícia dentro do autoexec.bat e do config.sys, jogava em um disquete, dava boot e ficava feliz.

BAIXA IDADE MÉDIA (1996−-1999)

Usei o modem para se conectar a outro modem e transferir arquivos via HyperTerminal

O modem, antigo dispositivo que utilizava a linha telefonica para estabelecer conexões, servia para conectar ao computador pessoal de outras pessoas, tal qual aquele garoto no filme “Jogos de Guerra” que se conectou ao modem do Pentágono e brincou de disparar mísseis nucleares.

Não tínhamos Internet, minha cidade nem tinha provedor, mas tínhamos um modem para uso futuro. Quando descobri sua funcionalidade e li alguns manuais, combinei com um colega de escola para fazermos uma experiência pela linha telefônica. Pelo HyperTerminal, um programa que vinha junto com o Windows para telefonia, transferimos arquivos via protocolo Z-Modem. Tal feito fez com que meu e-penis crescesse 1,95 metros.

Assinei uma BBS antes de um provedor de Internet

Pelo mesmo procedimento acima, você se conectava a um computador central onde várias outras pessoas também estavam conectadas. Você poderia interagir com elas e trocar músicas, arquivos pornô, mensagens, tudo via um terminal em modo texto. Basicamente isso.

Hospedei páginas na Geocities

Hoje em dia todos os web-designers entraram em um acordo: ou fazem uma página padronizada e agradável aos olhos ou morrem apedrejados. Antigamente esta regra não existia e a maioria das páginas usavam fonte Times New Roman 32 com gifs animados pipocando pela página que, usualmente, tinha como fundo uma foto de nuvens em céu azul. Lembro-me até que você poderia comprar nas bancas um guia de “páginas interessantes” da Web, onde nelas estavam listadas quase todas as home-pages do Brasil, todas geralmente hospedadas na AngelFire e na Geocities que, durante aquela época, os endereços ocupavam uma linha inteira. Bom, não havia páginas que realmente prestassem até então e os únicos buscadores decentes eram o Yahoo! e o Cadê?.

Fiz um script para mIRC desde o rascunho

E ficou muito bom, diga-se de passagem. Foi usado inclusive por um bom tempo por todos os operadores do #portugal na DALnet.

Fui operador do canal #portugal na DALnet

Isso com 14 anos. Pode não parecer muita coisa hoje, mas ser operador de um canal grande que representa um país inteiro em uma rede de IRC era mais true que beber hidromel em caneca de madeira.

Tive um UIN do ICQ com 7 digitos

E hoje em dia muita gente nem sabe o que é ICQ. Não é para menos, o MSN dominou a Internet com seus recursos inúteis e seus piquetriques tremelicantes. Além do mais, o ICQ quis seguir a mesma linha para ganhar a preferência das miguxas e ficou igualmente porco. Você sabia que há pessoas que vendem seus antigos números de ICQ? Vendo o meu por R$80,00.

Usei Adobe Photoshop 4.0 e Paint Shop Pro

Para fazer fundos azuis com nuvens para home-pages que não prestavam.

Joguei um MUD

Mentalize um jogo estilo Ultima Online. Agora pense que no lugar dos gráficos, há descrições dos lugares onde você está. Isso é um MUD (Multi-user Dungeon). Um RPG online em modo texto, acessado via telnet. Havia comandos para andar, atacar, falar, realizar ações sociais e tudo mais.

Era bem legalzinho, pois o fato do jogo ser descrito em forma de palavras permitia ações mais personalizadas por parte dos usuários.

IDADE MODERNA (1999−-2002)

Marco do início: advento da transferência de arquivos P2P.

Baixei MP3 pelo AudioGalaxy

Este programa, apesar de ser recheado de spywares, era fantástico. Muito melhor que o Napster, o precursor de todas as coisas, o AudioGalaxy era um programa P2P que tinha os arquivos de música mais raros de toda a galáxia.

Vi o Kazaa nascer

E morrer também. Não fez muita diferença.

Idade Contemporânea (2002−-2006)

Marco do início: queda do império do ICQ, advento da banda larga, início da Inclusão Digital.

Vi o Orkut em sua infância

Graças a um francês safado que me mandou o convite, vi o quase começo do Orkut, e era lindo. Se resumia a pouco menos de 1 milhão de pessoas. Não gostei muito porque ao meu escopo parecia ser uma idéia idiota essa de rede social que precisava de convite para entrar. E também não depositava tanta confiança que esse serviço faria sucesso. Percebi que estava redondamente enganado alguns meses depois, quando 2 ou 3 amigos vieram me contar a novidade, “o Orcute”.

A idade contemporânea já tem quatro anos, quase cinco. É muito provável que tenhamos algum novo marco na história da informática em um futuro próximo. Quem sabe esta nova era seria marcada pelo Second Life, a rede social que emula um mundo virtual? Ou esta era já começou, com uma tecnologia nova de processadores e armazenamento que mudou o rumo da jogatina online? É esperar pra ver.

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