Nébula Rasa

Estou deixando o Twitter (e por que você também deveria)

Acordei essa manhã, peguei uma xícara de café, sentei-me na varanda e decidi sair do Twitter. A ideia é bloquear minha conta sem excluí-la, para fins de arquivamento, e depois de espelhar meus tweets em outro lugar, excluir minha conta para sempre.

Já venho pensando nisso há algum tempo, sobretudo depois que a aquisição do Musk começou a fazer efeito. O que mudou foram alguns acontecimentos recentes:

Como rede social, o Twitter mais do que serviu ao seu propósito. Durante anos, foi meu lugar preferido para aprender com pessoas incrivelmente interessantes fora do meatspace, especialmente depois que fiz a curadoria de meu feed e encontrei minhas pessoas favoritas.

E essas pessoas são a razão pela qual estou escrevendo este post hoje. (Aliás, se você está lendo isso, provavelmente você é um deles.) Como não quero perder o contato com os amigos queridos que fiz por lá, não vou embora sem expor meus argumentos e persuadir alguns a me seguir.

Aqui estão algumas das razões pelas quais penso que o Twitter e todos os outros serviços centralizados de redes sociais estão fadados ao fracasso, por que deveríamos procurar um lar melhor, e por que esse lar deveria ser o Mastodon.

A centralização não é boa nem ruim, mas a centralização ruim é horrível

Se o Twitter fosse um país, seria uma superpotência mundial dirigida durante décadas por um governo inflacionado que nunca compreendeu verdadeiramente o seu povo e as suas necessidades. Mas apesar da má gestão, o país simplesmente funcionava. A menos que você promovesse conteúdo ilegal ou vomitasse discursos de ódio ou mentiras deslavadas que pudessem prejudicar a sociedade como um todo, você era livre para escrever o que quisesse. Nem sequer nos lembrávamos que existia um governo, o que é um bom sinal para um país cuja proposta é a liberdade de expressão.

Então, do nada, um forasteiro rico compra aquele país, demite metade do pessoal e transforma essa superpotência numa piada diplomática, o parque de diversões de um bilionário excêntrico e troll nas horas vagas, algúem que ostenta um grave distúrbio narcisista e um senso de justiça bastante duvidoso.

Francis Fukuyama escreveu certa vez que os regimes autoritários não são bons nem maus. Um bom regime autoritário, na verdade, não seria tão diferente de um regime democrático. Você ainda poderia votar. Os jornalistas ainda teriam liberdade de expressão. Tudo que estaria relacionado ao o governo poderia até ser mais eficiente, uma vez que menos responsáveis por um processo significaria menos atrito e tempos de resposta mais curtos.

O problema é quando maus líderes assumem o poder, sem controles ou uma alavanca para ejetá-los do poder se as coisas derem mal. Fukuyama chama isso de “Problema do Mau Imperador”. Um lembrete de por que o autoritarismo nunca é a resposta.

O que temos no Twitter agora é um conjunto de regras arbitrárias que definitivamente não atende aos interesses do público. Criticar o CEO ou lembrar os outros sobre a existência de sites de redes sociais alternativos não deve ser motivo para ninguém ser excluído, especialmente devido às suas consequências: uma suspensão significa ser privado de entrar em contato com todos os seus amigos que ainda estão no Twitter.

“Ah, mas estou seguro, Musk nunca me notaria. Existem peixes maiores por aí.” Tem certeza? Começou com jornalistas, depois comediantes, depois críticos e depois pessoas comuns que mencionaram outras redes sociais. Nunca subestime um governante entediado com poder absoluto.

O Mastodon, por outro lado, nunca poderia se tornar um regime autoritário, nem lhe impedir de se comunicar com seus amigos porque o Mastodon não é governado por uma pessoa ou empresa. Não é um país, mas uma rede de cidades-estado espalhadas pela rede que escolhem com quais outras cidades mantêm contato.

Se uma cidade-estado se tornou má, seja porque os seus habitantes se tornaram tóxicos ou porque um ditador maluco comprou o seu caminho até o poder, as cidades vizinhas são livres de cortar contato com aquela maçã podre. O que é ótimo, pois a probabilidade de uma cidade-estado apodrecer no longo prazo é sempre não-nula.

Mas a maior vantagem da descentralização para nós, moradores das cidades, é que não somos reféns dos caprichos de um mau governante. Se vivêssemos naquela cidade-estado agora deteriorada, poderíamos sair e nos mudar para um lugar de nossa escolha sem perder contato com o resto do mundo. Podemos até mesmo trazer nossos pertences conosco, o que significa que todas as mensagens e contatos permanecerão intactos no processo.

O conceito de serviços web descentralizados pode parecer estranho hoje em dia, mas os provedores de e-mail trabalham de forma descentralizada há décadas. Com sua conta do Gmail, você pode escrever para qualquer pessoa que se inscreveu no Hotmail ou no Yahoo. Caso o Gmail dê problemas, você pode se inscrever em uma conta de e-mail em outro lugar e continuar enviando memes fofos para a sua avó.

Um senso de comunidade

Além da descentralização e das vantagens que ela traz, o outro motivo que me fez optar pelo Mastodon é o elevado senso de comunidade.

O hardware que mantém o Mastodon funcionando não pertence a corporações milionárias. Os administradores de instância geralmente são pessoas normais que emprestam parte das CPUs em seu porões para hospedar uma instância do Mastodon gratuitamente. Pensando nisso, os usuários da instância se voluntariam ou fazem doações espontaneamente, principalmente após o grande fluxo de novos usuários nos últimos meses.

Não é difícil ouvir falar de manifestações espontâneas de altruísmo no Mastodon. E ainda me deixa perplexo anos depois do meu primeiro contato com a rede.

Não sei por que esse comportamento surge mais facilmente em algumas comunidades online do que em outras. Talvez tenha a ver com o tipo de pessoas que o conceito de descentralização tende a atrair. Por exemplo, existem instâncias que promovem assembléias onde cada usuário da instância pode participar e decidir o que é melhor para o servidor. Este é o caso do social.coop, um exemplo que me parece o nascimento de uma verdadeira comunidade solar punk. Não sei sobre você, mas ouvir algo assim aquece meu coração.


Os recentes acontecimentos no Twitter foram uma oportunidade para repensar o futuro dos serviços centralizados. Sua natureza provê conveniência em detrimento de agência, e ficamos sujeitos à vontade de seu conselho de acionistas (ou do CEO). Eles podem limitar sua conta por motivos mesquinhos (como o Twitter), impor um acesso pago (como o Medium) ou manter usuários não registrados para fora (como o Instagram), e você terá que lidar com isso ou enfrentar o ostracismo.

O mesmo pode acontecer com redes descentralizadas como o Mastodon, mas pelo menos você pode recusar os termos da autoridade local sem deixar seus contatos para trás. E acredite: depois de conhecê-los, você não vai querer deixá-los.

Meu perfil no Mastodon: @cafetron@bolha.one