Efeitos pós-monografia e desabafos
Como alguns de vocês já estiveram a par, concluí minha monografia há exatamente 24 horas. Ela tem parte no meu curso de Física como um pré-requisito para concluir a graduação. Comumente, pessoas mortais têm um ano inteiro para trabalhar o tema, ao passo que deuses, semi-deuses, sumo-sacerdotes, sibilas, criaturas mitológicas e, sobretudo, procrastinadores dispõem de duas semanas bem curtas. Durante esses 15 dias fatídicos, erguendo parágrafo após parágrafo de um assunto com o qual eu não estava familiarizado até completar 80 páginas, percebi peculiaridades mundanas que gostaria de compartilhar com vocês.
Em primeiro lugar, gostaria de fazer algumas considerações sobre a maneira como costumamos viver — eu, você e qualquer outra pessoa em estado não-vegetativo. Expressar essa idéia vai ser bastante difícil, então preste atenção. Freqüentemente adotamos um modo de viver nossas vidas muito parecido com o transe hipnótico. No Oriente chamam esse estado de samsara. A grosso modo, o termo em sânscrito significa fazer suas tarefas diárias, completar suas rotinas mundanas e não dar a mínima atenção para os detalhes à sua volta; não prestando atenção no aqui e no agora (nada místico: apenas o presente), deixando a vida passar batida. Onde eu quero chegar, de fato, é que a Internet fode com sua vida e contribui amplamente com o samsara.
“UAU! Descobriu que o modelo do orbital atômico de Schrödinger só é coerente com o conceito de spin“. Pode parecer óbvio para uns, besteira para outros, mas em ambos os casos a pessoa imersa nesse estado de consciência não percebe que ela é prisioneira do à toa. Eu não havia notado — e talvez nunca notaria — se não tivesse me afastado do loop infinito que é Orkut <-> Gmail <-> messenger <-> fóruns <-> leitor de feeds <-> Twitter <-> comentários no blog.
Quando pude me isolar do mundo e conseguir paz, no meio do mato e longe da civilização, percebi que informação em excesso emburrece o indivíduo. Informação inútil, devo salientar (desculpe, pessoas, mas devem concordar comigo que 99,5% dos scraps, e-mails, posts em fóruns, mensagens no MSN e no Twitter são satisfatoriamente respondidas com um “ah, é? foda-se”). Essa hipótese é corroborada pela notícia recente que saiu na Folha Online: E-mail é mais prejudicial a QI do que maconha, diz estudo.
Agora vem a grande sacada: informação de menos também prejudica. Caso contrário, minhas vizinhas noveleiras que não tiram o nariz da televisão seriam sábias pensadoras capazes de atirar frases profundas, e não somente perguntar “se hoje vai chover” quando topa com você na calçada. Permanecer em contato com a natureza lendo Aristóteles, filósofos muçulmanos, Einstein e tomos antigos de Ciências abriram minha mente e passei a enxergar o mundo muito mais claramente. Acreditem, o saber liberta mesmo e ainda previne Alzheimer.
Em segundo lugar, quero fazer uma rápida abordagem sobre o pensamento crítico. Sempre fui uma pessoa de mente bastante aberta — nada de errado ou incomum. Para concluir minha monografia, já que ela tratava de um aspecto mais dissertativo da Física, tive que re-treinar a racionalidade além da manipulação de números. Analisando friamente o mundo à nossa volta, façamos algumas perguntas úteis para aguçar o pensamento crítico, no melhor estilo “Um Mundo Assombrado por Demônios” do Carl Sagan.
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Se discos voadores freqüentemente visitam o planeta Terra, por que eles nunca foram vistos e reportados por nenhum dos centenas de milhares de astrônomos, profissionais ou amadores, sendo que eles são as pessoas que mais observam o céu à noite?
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Por que em regressões (induções hipnóticas para descobrir o que as pessoas foram em encarnações passadas) os pacientes sempre foram mártires ou figuras importantes, e nunca pessoas comuns que tiveram vida e morte normais?
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Por que as pessoas dizem sentir a presença de Deus e dos anjos somente quando estão em grupo, se exercitando, gritando e em estado psicológico notavelmente alterado, e nunca sozinhas, quietas e sentadas de olhos fechados?
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Se Atlântida foi um continente que afundou há 10.000-100.000 anos entre a Europa e a América, por que os mapas da topografia oceânica indicam que de maneira alguma pode ter havido um continente ali há tão curto intervalo de tempo?
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Se há 2000 anos um homem caminhou sobre as águas, transformou água em vinho, multiplicou comida e ressucitou um morto, por que nenhum historiador da época escreveu sobre esses eventos?
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Por que videntes de bem, mas que cobram pelo serviço, não simplesmente prevêem os resultados de loterias ou corridas de cavalos, acumulam uma pequena fortuna para sustento próprio, e passam a fazer as consultas gratuitamente?
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Por que os e-mails e notícias fantásticas, quase miraculosas, que lemos freqüentemente, sempre carecem de uma fonte segura (e de vez em quando até os nomes das pessoas envolvidas), se são tão bombásticos?
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No bestseller “O Segredo”, é salientado que se uma pessoa desejar imensamente algo, aquilo será atraído para ela. O que aconteceria se todas as pessoas do mundo desejassem ser ricas?
O interessante de fazer essas perguntas a si mesmo é que ao final da reflexão você conclui que elas não esclarecidamente desprovam a existência ou ocorrência dessas coisas, mas desbancam muitas charlatanices e ajudam a preveni-lo contra futuras metralhadas de bullshit a esmo. Também forçam você a pensar um pouco por conta própria e não acreditar em tudo que dizem. Além disso, ela está intimamente ligada com minha primeira abordagem; o que importa é você desenvolver o espírito investigativo que anseia por saber. Aqui segue uma tradição oral islâmica (haddith) que li há alguns dias que é entusiasmante:
“[…] O brilho de um homem culto comparado àquele de um simples crente é como o brilho da lua comparado ao das estrelas […] Obtenha conhecimento; a pessoa que o detém distingüe o certo do errado; ele aponta o caminho para o Céu; ele nos faz companhia no deserto e na solidão, e quando nos encontramos sem amizades; ele é nosso guia para a felicidade; ele nos dá força na miséria; ele é um ornamento aos amigos, proteção contra os inimigos […] O nanquim de um sábio é mais sagrado que o sangue de um mártir […]”.
Caramba, aposto que ouvir isso em pleno século VI d.C. deveria ser como um balde refrescante de lucidez com menta.
Vou ficando por aqui. Portanto, amigos, lembrem-se do recado: leiam mais livros, fiquem longe do computador se não tiverem nada de útil pra fazer, comam verduras e quando te disserem algo fantástico, exija também provas fantásticas. Façam disso um novo modo de vida e verão como a realidade parecerá mais clara. E tratem imediatamentem de viver o agora e parem de empurrar suas vidas com a barriga. E não comam muita gordura. Esse é o sentido da vida. Ah, e se virem uma taturana verde com galhinhos pelo corpo, não encostem nela — pode arder um pouco.
Atualizações
- 14/05/2025: Apaguei uma frase que, lendo de novo 17 anos depois, achei desnecessariamente ofensiva.