Nébula Rasa

Determinismo Linguístico

Nos anos 50, os linguístas Edward Sapir e Benjamin Lee Whorf chegaram à formulação de uma tese que constituiu durante muito tempo a principal referência ao determinismo lingüístico.

Conhecida sob o nome de hipótese Sapir-Whorf, ela sugere que as pessoas vivem em universos mentais muito distintos e determinados pelas línguas diferentes que falam. Ou seja, diferentes padrões lingüísticos causam diferentes padrões de pensamento. [1]

A grosso modo, a língua determinaria como o sujeito captura conceitos do ambiente e da sociedade. Não envolve meramente uma situação de se falar errado ou de se utilizar gírias, neologismos ou contrações. Significa que a língua pode influenciar a maneira como você enxerga o mundo e como se comportará nele.

Japoneses ouvem insetos?

Em uma visita em 1987 a Havana, Cuba, o Professor Tadanobu Tsunoda da Universidade Médica de Tóquio era o único participante oriental do Primeiro Seminário Internacional sobre Doenças do Sistema Nervoso Central. No evento, um cubano desferia um fervoroso discurso em bravo espanhol. [2]

Mas prof. Tsunoda estava distraído por um som extremamente alto que um determinado inseto, espécie nativa da região, fazia dentro da sala. Ele perguntou às pessoas que tipo de inseto fazia aquele barulho peculiar, mas ninguém pôde ouví-lo. Ao final dos três dias de conferência, o ruído daquela espécie de inseto era audível durante todo o dia, principalmente à noite, mas somente ao professor. Tsunoda imaginou então que talvez a audição dos japoneses fosse diferente da dos ocidentais.

As pesquisas do prof. Tsunoda levaram a uma descoberta admirável. O cérebro humano é dividido em dois lados: direito e esquerdo, cada um com uma determinada gama de funções. O lado direito do cérebro é chamado de esfera musical, porque é onde os sons musicais, ruídos e padrões rítmicos são processados. O lado esquerdo é chamado de esfera lingüística, pois é onde se processam os sons lógicos e intelectuais, ou seja, onde as palavras ouvidas são compreendidas. Até este ponto, os japoneses são iguais aos povos ocidentais.

Contudo, Tsunoda encontrou uma peculiaridade na região onde o som produzido pelo inseto é processado no cérebro humano. Seus experimentos levaram-no a concluir que enquanto ocidentais processam ruídos de insetos junto com sons rítmicos e outros ruídos na esfera musical, japoneses processam os sons de insetos na esfera lingüística.

Os ocidentais na reunião em Cuba inconscientemente ignoravam o som do inseto por considerá-lo apenas um ruído de fundo. É basicamente o mesmo fenômeno de crescer próximo à linha de trem e se acostumar com seu barulho - após alguns anos, você não o notará mais. No entanto, como os japoneses ouvem insetos na mesma esfera lingüística na qual são processadas vozes humanas, para o professor Tsunoda, o inseto exótico e o fervoroso discurso em espanhol estavam em uma competição acirrada no lado esquerdo de seu cérebro.

Este é apenas um exemplo de como a linguagem influencia na configuração cerebral. Quais serão as conseqüências relativas à compreensão de mundo, então, na mente de um estudante de japonês?

O método chinês

Abaixo segue a descrição feita por Marcos Lacerda, que escreve no blog PodVariar, de suas impressões sobre os primeiros meses de aula de mandarim.

Falar é quase como cantar, onde uma mínima variação de tom em uma sílaba dá outro sentido completamente diferente á frase inteira. Escrever é desenhar, é uma arte onde garranchos não são permitidos. Mas a beleza é sentir que você está forçando seus neurônios a criar novas conexões a cada frase que se tenta pronunciar com a entonação correta. Não é à toa que os melhores alunos da escola são os que tocam algum instrumento musical. É como se tivessem uma vantagem inicial de ter o cérebro pré-formatado para o processo de aprendizagem do Mandarim. Os outros, como eu, que não tocam nenhum instrumento simplesmente têm que estudar mais para acompanhar o ritmo da turma.

Marcos não está exagerando. Há estudos científicos que comprovam o efeito desencadeado pelo aprendizado de uma língua diferente. Através de ressonância magnética antes e depois que seis falantes nativos de inglês foram submetidos ao estudo de mandarim, ficou evidente que o estudo desta língua modificou as regiões do córtex cerebral de cada um dos estudantes. [3]

Isso significa que nos tornaríamos mais inteligentes se estudássemos mandarim? Pesquisas sobre o cérebro chinês podem ter a chave para este enigma. As diferenças lingüísticas para um ocidental que pretende aprender mandarim são mais que simples problemas de compreensão. Cientistas alemães e chineses em parceria descobriram que o cérebro de um chinês responde mais rápido que o de um europeu. E tudo indica que o tortuoso idioma falado na China é o responsável por essa diferença. [4]

Seus experimentos em 1996, com aproximadamente 200 estudantes europeus e chineses de mesmo nível escolar, levaram-nos a um teste de memória envolvendo números, letras e cores. Os chineses superaram de longe os europeus nos testes de memória, bem como em testes de reações rápidas

Mas por quê? Os pesquisadores acreditam que o mandarim escrito condiciona o cérebro a respostas e articulações mais rápidas do que o alfabeto romano. Além disso, é necessário que leitores de mandarim e cantonês compreendam mais de dez mil caracteres no dia-a-dia. Há por volta de 50.000 caracteres e uma pessoa razoavelmente bem educada deve conhecer aproximadamente 5.000 deles. É necessário conhecer no mínimo 3.000 para ler um jornal. As crianças chinesas gastam horas e horas para copiar tais caracteres. Tarefas escolares são perpétuas – muito mais do que opinam as crianças ocidentais.

Logo, tais evidências levam a crer que os cérebros chineses e europeus se organizam de formas diferentes. Nota-se então que a lingüagem desempenha um papel importante nas diferenças entre os comportamentos e culturas dos ocidentais e orientais.

A tribo Pirahã

Um estudo recente por Peter Gordon examina a língua da tribo Pirahã no Brasil. Segundo Gordon, a língua usada por esta tribo contém apenas três palavras para contagem: um, dois e muitos. Gordon mostra através de uma série de experimentos que as pessoas da tribo Pirahã têm dificuldades em recontar números maiores que três. No entanto, estudos mais recentes sugerem que essas pessoas têm um entendimento razoável de geometria apesar de seu idioma. [5]

As línguas construídas

Língua construída é todo idioma planejado e definido por um pequeno grupo de pessoas, ao invés de ter evoluído como parte da cultura de algum povo. Ao longo dos séculos, centenas de línguagens foram artificialmente construídas e certamente muitos projetos particulares não chegaram a ser publicados. Várias línguas foram criadas para um propósito específico em mente, como os idiomas élficos Quenya e Sindarin de J. R. R. Tolkien. Outras são criadas para fins de comédia ou usadas em enredos de filmes.

Algumas línguas, no entanto, foram engenhosamente projetadas para libertar e melhorar a mente humana de alguma maneira específica. Esperanto, por exemplo, foi criada para transpor quaisquer barreiras culturais entre pessoas de diferentes nações, e Lojban foi projetada para remover quaisquer limitações possíveis sobre o pensamento humano.

Seguem aqui 6 línguas construídas bem conhecidas e que poderão ajudá-lo a pensar e se expressar de novas maneiras.

Esperanto

Esperanto é uma língua largamente faladao ao redor do mundo com uma estimativa de 2 milhões de falantes, colocando-a em pé de igualdade com lituânio, islandês e hebraico. Ela foi elaborada em 1887 pelo Dr. L. L. Zamenhof como um tipo de segundo idioma universal e neutro que permite falantes nativos de quaisquer idiomas se encontrarem e conversarem em pé de igualdade, sem ninguém possuir vantagem intrínseca de fluência.

Esperanto é extremamente simples, regular e fácil de aprender. É também uma língua poderosamente flexível. Parafraseando o esperantista Ken Caviness, ela foi usada para todas as circunstâncias imagináveis por mais de 100. O que quer que você queira expressar, é possível fazê-lo em esperanto."

Uma reclamação comum ocorre contra o vocabulário esperantista, que é muito Indo-Europeu. No entanto, a gramática aglutinativa desta língua pende mais para o lado das línguas orientais, sem contar que o esperanto é especialmente popular na China. Já tive diversas conversas em esperanto que abriram minha mente, bem como destruiram quaisquer tipos de preconceitos sobre diversos assuntos com pessoas de vários lugares do mundo.

Lojban

Lojban é uma língua construída, muito bem elaborada e desenvolvida para testar a hipótese de Sapir-Whorf. É o descendente mais robusto do projeto original, Loglan, que foi criado por Dr. James Cook Brown. O projeto se bifurcou devido a disputas de propriedade intelectual; pode-se dizer que Lojban está para Loglan assim como GNU/Linux está para Unix.

O principal intuito do Lojban é remover o máximo de restrições sobre os “pensamentos e comunicações claras e criativas”. Para este fim, a gramática da língua é inteiramente lógica e com um vocabulário culturalmente neutro que foi algoritmicamente derivado das seis línguas humanas com maior número de falantes (mandarim, inglês, hindu, espanhol, russo e árabe).

A gramática do Lojban é até mais regular que a do Esperanto, tanto que ela pode ser facilmente implementada em programas para computador como o YACC. A gramática altamente regular da língua levva ao isomorfismo audiovisual. Isso significa que não há ambigüidades entre o Lojban falado e escrito; você pronuncia até mesmo a pontuação nas frases. Lojbanistas especulam que esta característica pode ser útil em interações humano-computador.

Em outras palavras, Lojban é uma espécie de super linguagem para disparar suas tendências lingüísticas Sapir-Whorfeanas e deixá-lo maluco. Não custa tentar.

Determinismo lingüístico na ficção

O clássico “1984” de George Orwell ostenta um exemplo chocante do determinismo lingüístico na ficção, no qual uma língua conhecida como “newspeak” substitui o inglês moderno. Neste caso, Orwell diz que se os humanos não puderem formar palavras com radicais ligados à idéia de revolução, então eles não poderiam se rebelar contra o sistema. Desta forma, toda a teoria em torno do newspeak é voltada à eliminação de tais termos.

A ficção científica “As Línguas de Pao” de Jack Vance é focada na modelagem de uma civilização a partir de mudanças em seu idioma. Pao, planeta de um futuro distante, é habitado por aldeões humildes que aceitaram passivamente a monarquia absoluta imposta por invasores forasteiros. Tais homens então delineam três castas – guerreiros, mercantes e técnicos – cada um com seu idioma específico e meticulosamente criado para moldar a mente e habilidades apropriadas para aquela determinada casta. Como resultado, o planeta sobrepuja os invasores militares e comerciantes exploradores, mas acaba perigosamente se dividindo em castas mutualmente hostis - e tal situação só superada através da criação de uma nova língua, um “amálgama” que combina elementos das três linguagens, bem como elementos do antigo idioma do planeta, acabando por reunificar e versatilizar a sociedade.

“Snow Crash” de Neal Stephenson gira em torno da idéia de que o idioma sumério era, na verdade, uma linguagem de programação para o cérebro humano. De acordo com o livro, a deusa Asherah é a personificação de um vírus lingüístico similar a um vírus de computador. Para remediar a situação, o deus Enki criou um contra-programa (ou nam-shub) que fez com que toda a humanidade começasse a falar línguas diferentes para se proteger de Asherah.

Em “Duna” de Frank Herbert, o Princípio de Relatividade Lingüística faz sua estréia quando um personagem (Lady Jessica) que possui vasto conhecimento em Lingüística encontra uma tribo estrangeira (os Fremen). Ela se assusta com a “brutalidade” de seu idioma, acreditando que a escolha das palavras e da estrutura gramatical reflete uma cultura de enorme violência. Similarmente, em outra ocasião do romance, seu futuro marido, Duke Leto, se impressiona como a natureza da sociedade Imperial é traída por “precisas delineações para mortes premeditadas” em sua língua - o uso de termos altamente específicos para descrever diferentes métodos de envenenar alguém.

Em “A História de Sua Vida” de Ted Chiang, a língua determina diretamente o pensamento. Ao aprender a linguagem escrita usada por visitantes alienígenas na Terra, algumas pessoas passam a pensar de uma maneira diferente, na qual passado e futuro são meras ilusões do raciocínio convencional. Isto faz com que elas vejam suas vidas inteiras como uma ação única e imutável, do passado ao futuro.

A história de ficção científica “Língua Nativa” de Suzette Haden Elgin descreve uma sociedade patriarcal cujas mulheres oprimidas desenvolvem secretamente uma linguagem “feminista” para que surja nelas o ímpeto revolucionário.

Em “Hino” de Ayn Rand é apresentada uma distopia coletivista onde a palavra “eu” foi banida e qualquer um que venha a pronunciá-la é punido com a morte.

“Tempo de Mudança” de Robert Silverberg descreve uma sociedade onde a primeira pessoa do singular é considerado uma obscenidade.

Referências

[1] Wikipédia, “Sapir-Whorf hypothesis”, 2007 [2] Masaomi Ise, “The Japanese Language Brain”, Japan Close-up, 2002. [3] Yue Wang, Joan A. Sereno, Allard Jongman, Joy Hirsch, “fMRI Evidence for Cortical Modification During Learning of Mandarin Lexical Tone”, Journal of Cognitive Neuroscience, 2003. [4] John Naish, The Chinese Way, Times Online, 2007. [5] Roger Highfield Science, “Amazon tribesmen pass geometry test”, The Daily Telegraph, 2006.