Nébula Rasa

Toki Pona, a língua do bem

Toki Pona é uma língua inventada pela lingüista canadense Sonja Elen Kisa em meados de 2001. Durante uma crise depressiva ao som de Nightwish, Sonja teve uma idéia que a salvou de remédios e psicólogos, assim como um modo de vida decadente e o maior fiasco do doom metal. A idéia foi…

“[…] e se existisse uma língua que, de uma forma ou de outra, deixasse as pessoas de bom humor? Algo simples, porém eficaz. Algo que seja fácil de pronunciar e soe bonitinho como uma criança arriscando as primeiras palavras. Uma língua capaz de expressar o máximo de conceitos através da menor complexidade possível.”

E depois de meticulosas pesquisas e tentativas, eis que Sonja criou o Toki Pona (boa língua).

Se você deseja uma língua para se comunicar com o mundo todo, esqueça. Toki Pona deve ter no máximo umas 100 pessoas fluentes. É mais uma terapia entre amigos e familiares do que um instrumento de comunicação mundial ou acadêmica. Seus objetivos não abarcam o posto de língua auxiliar internacional, como o Esperanto, mas sim a filosofia minimalista do Tao chinês, onde o “menos é mais”. Afinal, os prazeres da vida estão nas pequenas coisas.

Seus objetivos incluem desmantelar conceitos complexos em partes menores e melhor compreensíveis, eliminando sinônimos redundantes e mantendo o foco do falante desta língua apenas nas coisas boas e simples da vida, o tempo todo parecendo fofinho como um Ewok.

Portanto, o principal intuito de Sonja foi moldar os processos cognitivos dos falantes ao estilo da hipótese de Sapir-Whorf: a língua que você utiliza é capaz de influenciar seu modo de pensar e enxergar o mundo.

Estrutura

Condizendo com seu mantra minimalista, Toki Pona é uma língua com apenas 14 fonemas básicos: cinco vogais e nove consoantes (j, k, l, m, n, p, s, w), combinando-se para formar um vocabulário de apenas 120 raízes gramaticais. Em tese, qualquer pessoa do mundo é capaz de pronunciar com facilidade todas as palavras. Como esperantista há 12 anos, Sonja tentou manter a neutralidade lingüística do Toki Pona emprestando raízes gramaticais do finlandês, inglês, esperanto, lojban, armênio, húngaro, cantonês, mandarim, entre outras.

É muito interessante como o positivismo do Toki Pona é facilmente evidenciado até mesmo em poemas feitos por adolescentes góticos das trevas. Em sua home page, Sonja disponibiliza traduções destes mesmos poemas e salienta o quanto eles se tornam fofinhos e mais agradáveis. Um exemplo é um verso do poema “Melancolia”, onde “baratas corroem os dedos do meu pé” se transforma em uma lamúria infantil, como “pipi jaki li moku lili e noka mi”, ou em claro português: bichinhos feiosos mordiscam meu pé.

Perceba que não existe uma tradução exata para a palavra “barata”. Eis a beleza de uma língua minimalista, que é não se ater a detalhes descenessários, mas sim no contexto, alocando menos informação no cérebro e disponibilizando processamento para outras atividades mais relevantes (papo altamente geek).

Sabedoria e filosofia

Tudo isso parece demasiadamente simples até para um lagarto, certo? Errado. Os mais proficientes na língua são capazes de transcrever textos complexos em Toki Pona, como escrituras de Chuang Tzu, sem perder o sentido:

pipi kon

mi jan Suansu.
mi lape e ni: mi pipi kon. mi tawa kon li pilin pona. mi sona ala e ni:
mi jan Suansu anu pipi kon.
mi lape ala li sona e ni: mi jan Suansu.

tenpo lili la mi sona ala.
ken la mi jan Suansu li lape e ni: mi pipi kon
ken la mi pipi kon li lape e ni: mi jan Suansu

(Fonte: toki tan lipu pi jan Suansu)

Toki Pona foi inventada para combater a depressão através de uma maneira muito simples: simplificar e destacar os conceitos básicos e naturais das coisas. A língua veio a se tornar uma espécie de “yoga para a mente”. Ao invés de se apegar a pensamentos potencialmente negativos, a língua o força a relaxar, meditar e explorar sua relação a vida, o Universo e tudo mais. Muitos destes princípios foram retirados do Taoismo, que valoriza a simplicidade, a vida honesta e não-interferência com o fluir natural das coisas.

Para decompor todas as coisas em um vocabulário de 120 raízes, uma pessoa deve primeiramente desmontar os falsos conceitos que as línguas modernas nos impõem. Encontrar a palavra inicial para começar uma frase em Toki Pona é como perguntar a si mesmo, “o que é isso de verdade, em nível mais profundo?”

Por exemplo, jan pona (boa pessoa, amigo). Se alguém é seu amigo, logicamente ela é uma pessoa boa, ou você não teria qualquer laço afetivo com ela. Tanto jan pona quanto jan ike (má pessoa, inimigo) começam com jan. Seus amigos e inimigos são tipos diferentes de pessoas. Tipos diferentes, mas ainda pessoas, um conceito extremamente importante que esquecemos com muita freqüência. Isto é o tipo de coisa que torna o Toki Pona não somente uma brincadeira interessante, mas também uma ferramenta para a evolução pessoal.

Depoimentos

Seu vocabulário limitado é um atrativo para matemáticos e cientistas da computação. “É como resolver um quebra-cabeça — com apenas 120 palavras você deve criar todos os conceitos que existem no seu idioma”, diz Leonid Chindelevitch, doutorando em matemática aplicada no Instituto Tecnológica de Massachusetts (MIT).

“Ter aprendido Toki Pona foi muito terapêutico para mim. Em outras línguas, nos acostumamos a usar tantas palavras e conceitos que fica fácil se perder. Os conceitos em Toki Pona, no entanto, são universais; por não serem abstratos, eles me ajudam a manter-me em foco com a realidade de uma situação. Por exemplo, uma vez que tempos verbais não são utilizados, a língua ajuda a guiar meus pensamentos para o momento presente. Pensar em Toki Pona me ajuda a ser mais centrado e inúmeras vezes me salvou de uma espiral de depressão.”
– Andrew, vítima de depressão profunda e transtorno obsessivo compulsivo

“Línguas clássicas acabam sendo utilizadas em nosso mundo pessoal para se esquivar de algo. Toki Pona foi feito para se focar no positivo, tal que padrões e cognições negativas possam ser transferidas e eliminadas através do simples uso da lingüagem.”
– Dr. Pekka Roponen, psiquiatra finlandês

“Toki Pona é algo que se encaixa perfeitamente bem em meus neurônios. Sou capaz de aprender termos compostos repletos de significados, além de ser estimulante criar conexões entre conceitos e descobrir como comunicá-los através dessa língua. Também é muito rápida. Aprende-se uma ou duas palavras e você tem em mãos as ferramentas para formar uns 15 conceitos diferentes. Toki Pona me ajuda a quebrar uma atividade longa e complicada em pedaços mais manuseáveis. Uso Toki Pona quando sinto que meu cérebro está sobre-carregado e precisa de uma pausa, me permitindo recomeçar renovado depois.”
– Dan, 25 anos, paciente com TDAH

Eu mesmo consegui decorar as 120 palavras em uma tarde ensolarada e confirmo: é divertidíssimo brincar com essa língua.

Como e onde aprender Toki Pona