Nébula Rasa

O Mínimo que Você Precisa Saber Para Não Ser um Idiota

Título:
O Minimo Que Voce Precisa Saber Para Nao Ser Um Idiota
Autor:
Olavo de Carvalho
Ano:
Nov 19, 2013
ISBN:
9788501402516
Idioma:
Nota:
💩

Certa vez, perguntaram a uma filósofa como seus pares resolviam dilemas éticos quando as escolas filosóficas utilitaristas, deontológicas e da ética das virtudes entravam em conflito, pois lhe parecia que não havia uma resposta para certos dilemas morais. A filósofa respondeu: “com uma luta de alabardas numa arena”.

A filosofia, depois de mais de dois milênios, não concorda sobre o que é certo e errado ou como ser um sábio, o que quer que isso signifique. Mas um homem acredita ter solucionado o problema. Este homem se chama Olavo de Carvalho. Católico e conservador, não acredita nessa de “o mapa não é o território”. Para ele, as regras do jogo são perfeitamente claras, estabelecidas por um princípio ordenador universal. Para acessá-las, basta estudar os pensadores certos.

pensadores certos: uma lista seleta de pensadores que não contestam o pensamento aristotélico (e na qual Friedrich Nietzsche, Karl Marx e Bertrand Russell não estão e jamais estarão). Há também ressalvas especiais a Isaac Newton e Galileu Galilei. E, por tudo que é mais sagrado, fique longe dos ateus.

Na dimensão da moralidade, Olavo afirma que a culpa sincera é somente aquela que parte de dentro, não a que emerge pelo medo do julgamento externo. Ao mesmo tempo, defende que a verdadeira culpa só é sentida por quem teve uma educação religiosa cristã, pois este indivíduo teme seu destino metafísico. Apesar da incongruência do Olavo nessas questões, vale ressaltar que se uma pessoa é ética apenas porque tem medo de ir para o inferno, então ou ela não amadureceu ainda, ou é um sociopata. Ou é o Olavo.

Mas Olavo, astrólogo e estudioso do que verdadeiramente edifica o ser humano segundo ele mesmo, reconhece que a sabedoria é um privilégio para poucos e se deve penar muito para alcançá-la — sobretudo os brasileiros, esse povo que, para ele, têm em suas raízes a indisposição ao aprendizado; talvez os paranaenses, que são diferentes (sic), tenham mais facilidade.

Por falar nisso, a síndrome de vira-latas de Olavo é algo que desviou minha atenção várias vezes durante a leitura. O escritor tem certeza que o Brasil todo, salve o estado do Paraná, não passa de uma terra colonizada por portugueses malandros e hoje governada secretamente por acadêmicos marxistas. E nada que preste pode sair daqui: um argumento levantado por ele é que em quinhentos anos o Brasil não produziu nada intelectualmente original nem útil (aquele soviético do Paulo Freire não conta, eu acho). As razões para essa escassez? Pura preguiça, é claro! Pois para Olavo, é totalmente justo comparar o número de filósofos da Grã-Bretanha, Império Austro-húngaro e Escandinávia do século XIX, populações centenárias e livres, com o número de filósofos num Brasil ex-colônia e subdesenvolvido cujo índice de analfabetos entre a população não-escrava era menor que 20%, de acordo com o censo de 1870.

Mas voltando ao assunto sobre ser sábio.

De acordo com o escritor libanês Nassim Nicholas Taleb, ser sábio é difícil, mas não ser um idiota é um pouco mais fácil. E a ferramenta para isto existe, graças ao Deus cristão e ao Felipe Moura Brasil, redator no blog “O Antagonista”. Felipe organizou uma série de ensaios do Olavo, dando origem a este livro. Nele são trazidos à tona alguns “fatos” que todos os cidadãos deveriam internalizar para também serem não-idiotas — “fatos” como:

Você deve estar se perguntando por que escrevi “fatos” entre aspas. Acontece que alegações extraordinárias exigem evidências extraordinárias, ou no mínimo induções lógicas que defendam essas alegações extraordinárias — só que quem disse isso, o astrofísico e escritor Carl Sagan, deve ser um gauche caviar maconheiro que não entende nada de nada e só está nessa para afastar a humanidade dos valores da religião stricto sensu e da família tradicional, e aproximá-la às duas únicas religiões com que os esquerdistas se importam: maconha e cu (sic).

Mas farei o papel de advogado do diabo: os textos que compõem este livro são op-eds que Olavo escreveu para jornais e revistas ao longo de sua carreira. O papel de um colunista não é o de defender uma tese com rigores epistemológicos, mas entreter os leitores com opiniões cáusticas que combinam com cerveja e amendoim japonês. De novo: são opiniões publicadas e não apanhados filosóficos. No momento em que se transfere esses textos para um livro, fica a impressão de que o autor daquilo tudo sofra de um pedantismo quase patológico. Talvez sofra mesmo.

De vez em quando, Olavo se presta a defender seus argumentos e quando o faz, costuma partir ou para o sofismo, ou para deduções tão falaciosas que você passa a questionar a sobriedade do autor. Um exemplo: seu argumento contra os “gayzistas” e seus protestos contra crimes de homofobia, já que são assassinados anualmente apenas poucas centenas de homossexuais no Brasil, perto de um total de centenas de milhares de héteros assassinados. Ora, esse argumento é tão manjado quanto desonesto. Como comparar o número de homossexuais mortos por serem homossexuais com o número de homicídios como latrocínio ou acerto de contas entre gangues? Quantos héteros são assassinados por ódio ao heterossexualismo? Defender esse pressuposto com uma dedução tão míope como essa só pode partir de a) alguém que não pensou muito no assunto ou de b) alguém mau-caráter. Gostaria de saber qual a opinião de Olavo sobre os déspotas que na História assassinaram filósofos apenas por serem filósofos. “Ora, perseguição onde? São apenas algumas dezenas de pessoas perto de tantas outras que são assassinadas todos os dias”, responderia o imperador romano Vespasiano.

Defender certas minorias, como o povo curdo, ao mesmo tempo que ataca outras é algo delirante e bastante Olavo, mas nem tudo que Olavo escreve é um delírio. Confesso que fui surpreendido, por exemplo, por seus ensaios sobre a pobreza, que tratam, entre outras coisas, de como a mesquinharia da classe média afeta a sociedade; negam a mixaria de alguns centavos aos mendigos, sob desculpa de que eles vão usar o dinheiro pra beber (eu usaria também, no lugar deles, se não para algum outro remédio mais forte contra a realidade); ou que isso atrairia mais mendigos, como se fossem uma praga. E eis que numa baforada de raiva esclarecida, Olavo condena todos os donos de restaurantes e mercados que enxotam os moradores de rua de seus estabelecimentos, mesmo os que tem dinheiro para comprar um pedaço de pão. Ele completa: “[…] quando a propaganda do Collor inventou aquela coisa de ’não votem no Lula porque ele vai obrigar cada menino de classe alta a adotar um menino de rua’, eu me disse a mim mesmo: ‘Raios, se isso fosse verdade, eu ficaria satisfeito de votar no Lula’”.

Claro que nos textos do Olavo não existem pontos sem nós: neste caso específico, seu nó é que jamais o Estado deveria ajudar as camadas mais pobres, pois isto é um dever individual. A outra razão, escreve ele, é que delegar tal papel ao Estado acaba por inflá-lo, torná-lo mais burocrático e, por consequência, os pobres jamais verão esse dinheiro. E que a miséria no Brasil não é um problema econômico, mas social, pois qualquer pedinte ganha o suficiente no semáforo para comprar um Big Mac. Olavo não toca na dívida histórica que o Brasil tem com os pobres, que em sua grande maioria são descendentes de escravos, assim como todos os estudos que demonstram que a probabilidade de ascensão do pobre para outras classes é aproximadamente inexistente e independente de mérito próprio. Também ignora que, jamais e em lugar nenhum, o mercado tenha ajudado a tirar pessoas da linha da miséria por livre e espontânea benevolência. Tampouco imagina que os miseráveis do país não se resumem aos pedintes de semáforos das capitais que, como a Veja São Paulo assegura, faturam R$ 200,00 por dia.

Existem pobres que preferem mamar nas tetas mirradas do Estado ou de outros cidadãos? Com certeza. Existem pobres que se esforçam ao limite do humanamente possível, mas não conseguem sair do lugar por preconceito da sociedade ou porque perderam uma vaga para os ricos que começaram a corrida de ratos com algumas dezenas de milhares de reais de vantagem? Obviamente que sim. Olavo não deixa claro nos seus textos se ele considera a existência paralela dessas duas possibilidades, mas lhe darei o benefício da dúvida.

Embora eu discorde frequentemente de Olavo, concordo com parte de suas opiniões conservadoras: sobre o pós-modernismo sem nexo, sobre o engatinhar de nossa cultura jovem e sobre como examinar o passado pode trazer mais benefícios do que fitar fixamente o futuro. O futuro é incerto, muitas vezes mal calculado, e nossa tendência à neofilia pode trazer às vezes mais malefícios do que benefícios quando não pensada criteriosamente, especialmente por uma sociedade onde frequentemente se busca tomar atalhos. Acredito que tudo aquilo que sobreviveu à prova do tempo é mais robusto. Mas acredito nisto porque a seleção natural ocorre não somente entre seres vivos, mas também entre ideias, como disse Karl Popper. Mas se Olavo também prefere algumas coisas à moda antiga, não deve ser pela mesma razão, pois ele não crê no Evolucionismo; inclusive afirma que Darwin foi o culpado pelo nazismo e comunismo.

Olavo não me parece mal intencionado. Parece-me, na verdade, alguém com tendências narcisistas que ficou tão cheio de si, que o espaço acabou há mais ou menos meio século e não cabem novas informações para fazê-lo mudar suas crenças de concreto, mesmo que elas estejam visivelmente deformadas. Mas ele claramente acredita estar no caminho para um bem maior.

Em suma, este é um livro bem editado e a compilação de seus textos alucinados ficou muito coerente. De fato um artefato útil para compreender um pouco das engrenagens esquisitas da mente de Olavo, uma fonte viva de bravatas, crenças com fervor religioso (mesmo sobre assuntos que não sejam religião), danças retóricas para justificar certas premissas, especulações mentirosas sobre figuras históricas que ele desgosta, palpites que vão contra 50 anos de evidências empíricas, confusões entre correlação e causalidade, e críticas que os conservadores de direita já fazem há décadas. O que me surpreendeu foi, de vez em quando, uma ou duas gotas de bom senso diluídas num grande mar de — se me permitem — MERas opiniões pessoais, que não devem ser taxadas de boas nem de ruins; são apenas opiniões, apesar de não parecerem.

Vale a pena ler este livro? Na minha opinião, sim. Todo livro vale a pena, mesmo que você discorde cem por cento dele. Existem pérolas que só podem ser encontradas nos lugares mais umbrosos.

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