Second Life - A Saga
Second Life, em resumo, é um mundo virtual onde você tem um personagem online e pode interagir com outros usuários, tal como uma mescla sem escrúpulos de The Sims com Orkut e que está colocando em risco a vida social das pessoas. Justamente por isso, criarei uma conta nesta geringonça. Antes que você pense que sou um facínora sem princípios, saiba que entrarei no esôfago do bicho-papão para relatar neste post quaisquer impressões acerca deste jogo, bem como para reafirmar minha esperança na humanidade.
Há atualmente 2 milhões de usuários cadastrados e o número cresce sem limites. Trata-se de um simulador criado por Philip Rosedale, programador e futuro deus, onde os usuários podem criar seus personagens, trabalhar, ganhar dinheiro de verdade, bater papo, desenvolver objetos e cenários e programá-los, comprar sua própria casa, abrir seu próprio negócio, que pode ser desde uma sorveteria até um prostíbulo. Confesso que eu gostaria de ver como funciona a prostituição virtual, deve ser análogo a jogar Poker com feijões.
Tudo isso parece algo bem inofensivo, mas não é. Aposto que no momento de criação do Second Life, os irmãos Wachowski caíram da poltrona e roeram as própria pernas por verem sua obra, The Matrix, tornar-se uma perturbadora realidade. Esta rede social está evoluindo a passos largos e, como uma doença, está fazendo a cabeça das pessoas que têm problemas de se relacionar, que têm vício em computadores ou indivíduos facilmente influenciados por modinhas; ou seja, estamos tratando de 95% da população mundial.
Para você ter uma idéia, a Reuters já posicionou um repórter de plantão nesta rede somente para cobrir as últimas notícias da sociedade virtual. Seguindo o exemplo, a IBM inaugurou in-game uma loja de produtos eletrônicos onde um porco capitalista sem coração qualquer pode entrar, examinar o produto em 360 graus e comprá-lo. As grandes empresas apostam que o jogo realmente tome o lugar de segunda vida das pessoas, e incentivam as massas a seguirem o fluxo. Há projetos inovadores de escolas nos Estados Unidos, que estão dando aulas via Second Life.
Mal esta rede social entrou em atividade e novas profissões estão surgindo. Horas atrás dei de cara com uma página de uma equipe de economistas virtuais, um grupo especializado em avaliar o comportamento financeiro do Second Life e sua moeda, o linden. Não somente, bandas estão fazendo shows virtuais ao vivo. Seu personagem simplesmente se acomoda em uma poltrona e “presencia” a performance do artista preferido, se é que podemos usar o verbo “presenciar” neste caso em que os velhos galegos nunca suspeitariam existir sobre a face de nosso planeta quadrado.
A empresa responsável pelo jogo apenas fornece banda e hospedagem do núcleo do jogo. Porém, quem constrói o mundo em si são os usuários. Diante de possibilidades infinitas como essas, cientistas e futurólogos estimam que, se Second Life perdurar ou bolarem uma rede melhor elaborada, as pessoas não precisarão mais sair de casa. Você pode trabalhar virtualmente, ir para a escola virtualmente e fazer sexo com a namorada virtualmente. Não é uma bacanice?
Fase 1: Formulário de Inscrição
Primeiramente, devemos nos registrar com um nome bem bonito. Você digita algo que seja condizente com o jogo, como se fosse um nome normal. O seu sobrenome, porém, deve ser escolhido dentre uma lista pré-determinada. Por que não parecer um pouco mais descolado nas minhas preliminares virtuais? Tentei Bruno Chevalier, todo contente que eu ganharia algum prestígio como gigolô parisiense mas infelizmente já estava em uso. Tentei usar os sobrenomes Sobocinski, Smagulov e Zemlja, todos sem sucesso. Maldito povo que se acha eslavo! Talvez eu tivesse mais sorte com algo um pouco mais italiano da gema, como Gagliani ou Mastroianni, mas não obtive sucesso também. Finalmente, quando estava com minhas esperanças no chão e quase decidindo entre Bode e Pidgeon, resolvi ficar como Bruno Schwartzman, Khrushchev que me perdoe.
É encorajado que haja nomes normais e não manifestações infelizes de criatividade como L33t_H4x0r, /-R/-G()R|| ou GATINHAMANHOZA-SP-14-RSSS. No entanto, a perspicácia humana e o espírito de porco não devem ser subestimados.

Adivinhe de onde é o meliante.
Feito isso, devemos escolher um avatar, um molde pré-configurado que represente você dentro do jogo. Essa parte não foi muito difícil, são uns 6 desenhos diferentes, onde um deles é um cyber-gótico trevoso das trevas e o outro é um cara sem camisa com cabeça de esquilo.
A escolha do plano de uso é a parte que me interessava, de fato. Aqui podemos sentir a marotagem entrando em ação. Eles cobram dez dólares mensais para um plano básico que lhe permite ter seu próprio naco de terra dentro do jogo, bem como ter seu próprio negócio. A proposta de ser o diferencial dentro do jogo por um punhado de dólares é tentadora.
Este é um dos motivos pelos quais eu imagino que esta rede não faça muito sucesso no Brasil. Não são todos os brasileiros que estão dispostos a gastar dinheiro de verdade em um mundo virtual, e isso é muito reconfortante. Escolhi o plano pé-rapado e toquei em frente. A instalação ocupa 30mb e o jogo em si, a princípio, ocupa 60mb.
Fase 2: Conhecendo o Jogo
Antes de sair caminhando mundo afora, você deve personalizar sua aparência. É permitido mexer em uma gama infinita de características, desde volume do cabelo do lado direito da cabeça até grau de empinação do nariz. Juro que tentei fazer algo que se parecesse comigo no mundo real, feio e com barriga de chope, vestindo uma camiseta preta e calça jeans, mas percebi de cara que eu estava nadando contra a maré.
Por mim passavam alguns personagens que eram mais coloridos que um show beneficente dos Ursinhos Carinhosos em um palco de madre-pérola sob chuva de LSD. Um desavisado poderia concluir que o povo americano é formado por uma raça transgênica de super humanos: os homens tinham bíceps do tamanho de Hércules (não dos bíceps dele, mas do Hércules em si). As mulheres todas tinham peitos grandes e bundas empinadas. Chega a ser humorístico, para não dizer trágico, o nível de auto-aceitação das pessoas hoje em dia.
Fase 3: Interação
Opcionalmente, você passa por um tutorial antes de realmente ganhar o título de cidadão dentro do jogo. O tutorial é bem simples e só demonstra a premissa de toda a obra. Ao terminá-lo, você pode escolher entre partir para desbravar o mundo como um pequeno Marco Polo ou passar o tempo em uma espécie de colônia de férias, um lugar para se adaptar antes de zanzar entre a sociedade virtual, um reduto para neófitos.
Este lugar é uma ilha e você começa em um coreto futurístico que, à primeira vista, me deixou impressionado. Há um telão holográfico com avisos dinâmicos e, na ilha toda, você ouve um som ambiente que está sintonizado em uma rádio online, ao vivo. Alarde ou não, esta rádio é feita pelos próprios usuários, inclusive a música que toca entre uma entrevista e outra. Esta engenhosidade acessível a todos permite que o mundo cresça sem limites, dependendo apenas da criatividade do público. É aqui que o sistema começa a ficar chocante.

O objeto acima é uma caixa de tradução, criada por um usuário e que usa o sistema de tradução da Babelfish. Se você tocá-la e disser alguma coisa, ele automaticamente traduz sua frase para o inglês. Claro que para manufaturar algo mais complexo que uma bola de golfe ou um caixote de cebola, é necessário que você tenha um conhecimento mais profundo em uma espécie de script que o próprio jogo disponibiliza. O interessante é que você escreve em um papel todo o código e guarda para si mesmo, tudo isso in-game, usando-o posteriormente para a criação do objeto em si.

É possível que você leia e escreva textos dentro do mecanismo do jogo sem qualquer empecilho. Ao se aproximar o suficiente da área a ser escrita ou lida, de modo que ela ocupe a tela inteira, a fonte ganha um pouco de resolução para que se torne legível. Na foto acima estou eu, lendo sobre a criação de objetos. Caso eu o faça, ele carregará consigo minha assinatura e atestado de nerdismo em estágio final. Mas não se empolgue demais, só é possível criar peixes tradutores e focas cantantes se você estiver em seu próprio território e, por falar nisso, um pedaço de terra no jogo custa dinheiro de verdade.

Isto significa que há armas no jogo. E eu achando que minha jornada no Second Life seria entediante.
Para perceber as possibilidades que este mecanismo oferece, há uma seção de jogos que podem ser executados de dentro do próprio Second Life. Lá existem xadrez, gamão, go, fliperama, corridas de kart e arremesso de peso.

A diferença entre sentar-se à mesa e sentar-se na mesa.
Perambulando pelo mundinho, encontrei uma australiana e um holandês que discutiam sobre o problema da mocinha. Ela estava completamente nua, com problemas em carregar o próprio corpo. Prontifiquei-me a ajudá-los, já que aparentemente o Google ainda não chegou na Oceania e Europa.

Na Matrix, quando há problemas em carregar a si próprio na rede, você morre. Em Second Life, você fica sem roupa. Sapecagem maior não há.
Nesta ilha para newbies, existe uma seção para cada assunto. Ela é um pouco extensa, mas você tem a possibilidade de fazer o que quiser, inclusive voar.

Esta é a maior pilantragem do Second Life: dar às pessoas acesso a suas fantasias mais íntimas. Voar, ter peitos grandes ou se prostituir sem escrúpulos, mesmo que a tecnologia ainda não permita algo mais complexo que alguns polígonos texturizados com movimento. Levando em consideração que a tendência é a sociedade ter cada vez mais problemas de se relacionar e uma progressão de frustrações no dia-a-dia, Second Life servirá como válvula de escape nos próximos anos, imediatamente antes de prender a todos dentro das próprias casas. “Para que se aventurar na selva urbana, quando posso voar até o trabalho?” será o pretexto para abrir mão da interação com outros seres humanos, que não seja através do computador.
O jogo é assaz pesado para um computador mediano, portanto acredito que este jogo só se tornará uma febre com dimensões iguais às do Orkut no Brasil em 2 ou 4 anos. Até lá, preparem-se. O grau de repetência nas escolas e demissões por justa causa crescerá a olhos vistos. Eu sei, às vezes eu sou meio pessimista.
Caso você queira constatar o jogo por si próprio, o site do Second Life é http://secondlife.com.
Atualizações
- 2025-05-18: Esse texto foi escrito em 2006 e a maneira como expressei algumas opiniões naquela época não envelheceram muito bem. Removi os respectivos parágrafos.