Nébula Rasa

5 razões de você estar contando calorias errado

A melhor maneira de perder peso é contar1 calorias.2 Ponto3 final4, meus5 amigos6. Se você deseja queimar suas reservas de gordura, a quantidade de energia que você consome deve ser menor do que a que você gasta. Não existe pílula milagrosa ou aparelho de ginástica mágico das galáxias que faça esse trabalho por você.

Então por que mesmo contado calorias, muitas pessoas não perdem peso?

Por um motivo muito simples: “A falha, caro Brutus, não está nas estrelas, mas em nós mesmos”. (Shakespeare, Júlio César)

Hoje eu espero esclarecer este problema que afeta várias pessoas que tentam emagrecer contando as calorias minunciosamente, mas se encontram estagnadas há vários meses e aflitas em um platô de peso que aparentemente não tem saída.

1) O cálculo do seu metabolismo basal está errado

Se você quer emagrecer, é necessário garantir que seu consumo de energia esteja sempre abaixo do gasto calórico diário.

A primeira etapa consiste em estimar seu metabolismo basal, ou seja, a energia mínima que você gastaria permanecendo em repouso. É a quantidade mínima de energia necessária para manter suas células vivas e em pleno funcionamento.

A maneira mais eficiente de descobrir seu metabolismo basal é através da calorimetria indireta. Calcula-se a taxa do seu metabolismo a partir da quantidade de oxigênio e dióxido de carbono produzida na sua respiração.

No entanto, a maneira mais barata e comum de estimar seu metabolismo basal é através de fórmulas matemáticas que usam como variáveis de entrada o peso, sexo, altura e idade (fórmula de Harris-Benedict ou Mifflin-St. Jeor), ou peso e porcentagem de gordura (fórmula de Katch-McArdle). As primeiras são extremamente incertas por terem quase 100 anos de idade e usarem uma população com características muito restritas.7 A última se mostra um pouco mais precisa do que as demais por levar em conta a quantidade de massa magra do indivíduo.

Apesar disso, ambos os métodos são puras generalizações. Seus coeficientes são estimados pela média de uma população heterogênea com metabolismos visivelmente distintos, mesmo entre indivíduos fisiologicamente semelhantes.

Em um estudo escocês8 envolvendo 150 adultos, o metabolismo basal dos indivíduos variou entre 1027 kcal/dia e 2499 kcal/dia. Os pesquisadores estimaram que 62.3% dessa variação seja explicada pela quantidade de massa magra, ou seja, tudo no seu corpo que não seja gordura. Outros fatores que explicariam a variação são quantidade de gordura (6.7%), idade (1.7%) e erros experimentais (2.0%).

No entanto, o restante da variação (26.7%) permanece inexplicável. É possível se observar diferenças entre metabolismos de dois indivíduos com a mesma quantidade de massa magra.

Por exemplo, em um estudo foi observado um caso extremo onde dois indivíduos com a mesma quantidade de massa magra de 43 kg tinham metabolismo basal de 1075 kcal/dia e 1790 kcal/dia. Esta diferença de 715 kcal/dia (67%) é equivalente a um dos indivíduos completar uma corrida de 10 quilômetros todos os dias.9

2) Você é menos ativo do que imagina

A segunda etapa para quantificar seu gasto calórico diário é multiplicar o valor do metabolismo basal por uma constante que traduz o seu grau de atividade durante o dia.

A convenção de valores para níveis de atividade física adotada pela Organização Mundial de Saúde[ref]“Human energy requirements: Energy Requirement of Adults”. Report of a Joint FAO/WHO/UNU Expert Consultation. Food and Agriculture Organization of the United Nations. 2004. Retrieved 2009-10-15.[/ref], para cada estilo de vida, é

  • Sedentário: 1.53
  • Ativo: 1.76
  • Vigoroso: 2.25

Esta lista de valores é acompanhada de dois fatores que causa imenso desvio no resultado final dos cálculos:

  1. Fazer uma atividade física 3 vezes por semana não lhe classifica como uma pessoa ativa dentro desses parâmetros. A menos que você pratique um esporte todo dia, dentro do escopo dessa tabela, você é sedentário.

  2. A rotina de duas pessoas que se enquadram no mesmo estilo de vida varia amplamente, por motivos óbvios.

A própria Organização Mundial de Saúde reconhece que no caso de pessoas sedentárias, por exemplo, o multiplicador de nível de atividade pode variar de 1.4 a 1.7, uma variação de quase 20%. Em termos práticos, uma pessoa com metabolismo basal de 2000 kcal/dia pode ter um gasto calórico diário de 2800 kcal ou 3400 kcal segundo essa referência – como no caso anterior, uma diferença de mais uma corrida de 10 quilômetros.

Novamente, a menos que estejamos equipados diariamente com um equipamento portátil de calorimetria indireta, o gasto calórico diário estimado dessa forma é puramente subjetivo.

3) Atividades físicas gastam menos calorias do que parece

Não acredite no que a esteira ou bicicleta ergométrica está dizendo. O nível de dificuldade do exercício em que ela se baseia está comprovadamente errado.

Normalmente, o cálculo de energia gasta em um exercício envolve a utilização de uma unidade chamada metabólico equivalente ou MET.

Por convenção, adotou-se que 1 MET é equivalente à taxa de metabolismo basal de um indivíduo. Esta medida é normalmente utilizada para classificar o grau de dificuldade de um exercício. Caminhar, por exemplo, possui um MET = 2, ou seja, exige de um indivíduo uma energia duas vezes maior do que permanecendo simplesmente vivo, em repouso.

Este valor foi experimentalmente quantificado a partir de um indivíduo saudável de 40 anos e 70 kg. Uma vez que o metabolismo basal varia entre indivíduos, é óbvio que 1 MET para uma pessoa terá magnitude diferente para outra pessoa.10

Um estudo comparando medições diretas por calorimetria e valores estimados por fórmulas revelou que havia discrepâncias de até 30% em relação ao gasto calórico com determinado exercício.11

4) Você está somando as calorias errado

Em primeiro lugar, somos péssimos em estimar tamanho das porções.12 13 Em determinado estudo, participantes que deveriam contar minunciosamente o consumo de calorias em um dia erravam suas estimativas em até 20%, por diversos fatores.

Como se isso não bastasse, parece que a indústria alimentícia não se preocupa em elaborar análises precisas da densidade calórica dos alimentos. Em boa parte dos produtos, as tabelas de calorias no verso da embalagem estão errados – para mais.14

A soma de todos os erros

Todas as variáveis que compõem as fórmulas para estimar as calorias que entram e saem têm um erro atribuído que, ao final dos cálculos, se transformam numa imensa bola de neve.

Sem mencionar que além do erro implícito nessas estimativas, os equipamentos de medição de que normalmente dispomos também são imprecisas (balanças de banheiro, medidores de gordura por bioimpedância etc).

Para passar uma vaga idéia de quão incerto nossos cálculos podem ser, usarei como exemplo dados pessoais acumulados de alguns anos atrás.

As incertezas inerentes a cada variável foram calculadas ou pelo desvio padrão associado a diversas medidas, desvio padrão residual de regressões lineares, incerteza expandida e mencionada em estudos em questão ou pelo certificado de calibração quando citados nos manuais dos aparelhos que usei.

  • Peso: (82.1 ± 0.1) kg
  • Gordura Corporal: (24 ± 3) %
  • Fórmula do Metabolismo Basal: ± 15%
  • Nível de Atividade: ± 15%
  • Estimativa de Gastos com Exercício Físico: ± 15%
  • Dieta: (2000 ± 300) kcal

Utilizando o Princípio de Propagação de Incertezas, estes foram os resultados finais:

  • Metabolismo Basal: (1717 ± 250) kcal
  • Gasto Total: (2517 ± 402) kcal
  • Déficit Calórico: (-517 ± 502) kcal

Uma diferença calórica diária de aproximadamente -500 kcal foi o que considerei ideal para mim na época. Isto resultaria em uma perda de aproximadamente 0.4 kg/semana.

O problema é que, devido às incertezas envolvidas em todas as variáveis do sistema, meu déficit poderia estar tão grande quanto -1000 kcal/dia quanto 0 kcal/dia.

Para meu azar, descobri que a estimativa do meu gasto calórico diário pendia mais para o lado menos vantajoso da curva. Não havia nada de errado com meu metabolismo basal. Os exames de hormônios estavam todos normais. O multiplicador de nível de atividade era o problema, juntamente com minha estimativa de gastos com atividade física.

A Única Solução

Quer saber qual a maneira para descobrir qual seu gasto calórico diário que é à prova de falhas? Que não envolva fórmulas, gráficos nem qualquer outro método impreciso de saber o quanto você deve comer? E o melhor de tudo, um método otimizado para você?

Então não perca o próximo post ainda essa semana :)


  1. Laakso, M., et al. “Effects of hypocaloric diet and insulin therapy on metabolic control and mechanisms of hyperglycemia in obese non-insulin-dependent diabetic subjects.” Metabolism 37.11 (1988): 1092-1100. ↩︎

  2. Reybrouck, Tony, et al. “Exercise therapy and hypocaloric diet in the treatment of obese children and adolescents.” Acta Paediatrica 79.1 (1990): 84-89. ↩︎

  3. Okazaki, Tetsuya, et al. “Effects of mild aerobic exercise and a mild hypocaloric diet on plasma leptin in sedentary women.” Clinical and experimental pharmacology and physiology 26.5‐6 (1999): 415-420. ↩︎

  4. Laakso, M., et al. “Effects of hypocaloric diet and insulin therapy on metabolic control and mechanisms of hyperglycemia in obese non-insulin-dependent diabetic subjects.” Metabolism 37.11 (1988): 1092-1100. ↩︎

  5. Kelley, DAVID E., et al. “Relative effects of calorie restriction and weight loss in noninsulin-dependent diabetes mellitus.” Journal of Clinical Endocrinology & Metabolism 77.5 (1993): 1287-1293. ↩︎

  6. Heilbronn, Leonie K., et al. “Effect of 6-month calorie restriction on biomarkers of longevity, metabolic adaptation, and oxidative stress in overweight individuals.” JAMA: the journal of the American Medical Association 295.13 (2006): 1539-1548. ↩︎

  7. Schofield, W. N. “Predicting basal metabolic rate, new standards and review of previous work.” Human nutrition. Clinical nutrition 39 (1985): 5. ↩︎

  8. Johnstone, Alexandra M; Murison, Sandra D; Duncan, Jackie S; Rance, Kellie A; Speakman, John R; Koh, YO (2005). “Factors influencing variation in basal metabolic rate include fat-free mass, fat mass, age, and circulating thyroxine but not sex, circulating leptin, or triiodothyronine”. American Journal of Clinical Nutrition 82 (5): 941–948. ↩︎

  9. Speakman, John R.; Król, Elzbieta; Johnson, Maria S. (2004). “The Functional Significance of Individual Variation in Basal Metabolic Rate”. Physiological and Biochemical Zoolog 77 (6): 900–915. ↩︎

  10. Savage, Patrick D.; Toth, Michael J.; Ades, Philip A. (2007). “A Re-examination of the Metabolic Equivalent Concept in Individuals With Coronary Heart Disease”. Journal of cardiopulmonary rehabilitation and prevention 27 (3): 143–8. doi:10.1097/01.HCR.0000270693.16882.d9. PMID 17558194. ↩︎

  11. Byrne, Nuala M.; Hills, Andrew P.; Hunter, Gary R.; Weinsier, Roland L.; Schutz, Yves (2005). “Metabolic equivalent: One size does not fit all”. Journal of Applied Physiology 99 (3): 1112–9. doi:10.1152/japplphysiol.00023.2004. PMID 15831804 ↩︎

  12. Lillegaard, I. T. L., N. C. Øverby, and L. F. Andersen. “Can children and adolescents use photographs of food to estimate portion sizes?.” European journal of clinical nutrition 59.4 (2005): 611-617. ↩︎

  13. Foster, Emma, et al. “Accuracy of estimates of food portion size using food photographs–the importance of using age-appropriate tools.” Public health nutrition 9.04 (2006): 509-514. ↩︎

  14. Allison DB, Heshka S, Sepulveda D, Heymsfield SB. Counting Calories—Caveat Emptor. JAMA. 1993;270(12):1454-1456. doi:10.1001/jama.1993.03510120076034. ↩︎